08/04/2012

Antonia Leite Barbosa
Uma carioca de utilidade pública



Um dia, Antonia Leite Barbosa estava na fila do caixa no supermercado quando viu que a cliente à sua frente punha quilos de farinha de trigo na esteira, seguidos de incontáveis pacotes de manteiga. Não resistiu, e perguntou o que a moça pretendia fazer com aquilo tudo. A resposta? Bolos, naturalmente. Nascia assim mais uma indicação da “Agenda carioca”, referência de todo mundo que sabe das coisas -- e quer saber ainda mais.

Tudo começou quando amigos de fora vieram ao Rio e pediram dicas sobre a cidade. Antonia anotou o que lhe parecia essencial; mas, incapaz de fazer as coisas pelo meio, quando deu por si tinha um livro praticamente pronto. Orgulhosa do resultado, decidiu ampliar o conteúdo. O passo seguinte foi procurar uma editora. O resto é história, mais exatamente a história do Rio, contada através das suas lojas e dos seus prestadores de serviços, das grandes obras às miudezas impossíveis.

“A ‘Agenda carioca’ é o meu GPS cool do que há de melhor e mais delicioso no Rio” – diz Bruno Astuto na contracapa. –“Foi-se o tempo em que ligávamos para os amigos para descobrir os endereços ou quem é quem na cidade. Antonia juntou tudo numa espécie de bíblia com jeito de caldeira fervente. ”

Mais velha de três irmãos, carinha de menina apesar dos 34 anos, Antonia aparece para a entrevista com a mais carioca das roupas: short, camisetinha chique e uma sandália de corda para lá de estilosa. Difícil acreditar que já é mãe, mas Felipe, do alto dos seus cinco rechonchudos meses, está aí para provar que milagres existem.

Ela tinha tudo para ser jornalista mas, por um desses desvios de juventude tão comuns, formou-se em desenho industrial. A verdadeira vocação, porém, não demorou a se manifestar e, no ano 2000, ainda na faculdade, fundou, com as amigas Mariana Salim e Joana Almeida Braga, a revista Geração. A vida da revista foi curta – apenas dois anos – mas o elenco de colaboradores era o que havia de melhor: Bruno Mazzeo, Cynthia Howlett, Pedro Garrido...

-- Todo mundo escrevia por amor, -- lembra Antonia. – Um dia fomos ao Jornal do Brasil propor que a encartassem no jornal como um produto jovem. O Boechat, então editor chefe, adorou a idéia. A experiência valeu, mas não trouxe o retorno comercial que esperavamos para manter a revista.

“Geração” virou coluna, assinada por Antonia e Joana. Em 2003, Joana casou, foi para Miami e Antonia ficou sozinha no leme. A coluna passou a se chamar “Antonia”, durou mais sete anos e pos a autora na trilha dos bons achados, das festas bacanas que ninguém conhecia, dos segredos escondidos pela cidade. Ao longo desse tempo, surgiram outras oportunidades de trabalho. Sempre que alguém pensava em “carioca, jovem, descolada” ligava para Antonia. Ela foi “descoberta” por Luciano Huck e acabou na Rádio Paradiso, dando dicas para os ouvintes duas vezes por dia; depois foi para a Oi FM, onde ficou até o fim da emissora.

-- O resultado disso tudo é que acabei acumulando um bom conhecimento da cidade. E quando aqueles meus amigos de fora me pediram uma lista de dicas do Rio, percebi que tinha material para um livro. Mas eu queria fazer um guia pessoal para quem mora aqui, sem a obrigatoriedade de listar todos os museus e pontos turísticos. O Addresses já existia, mas seguia uma linha bastante diferente: ele é uma espécie de páginas amarelas chique. A minha primeira “Agenda carioca”, por exemplo, não trazia nem o Redentor nem o Pão de Açúcar. A idéia era fugir de tudo o que fosse clichê.

Publicada desde 2006 pela Editora Senac, a “Agenda carioca” tem cara de livro, mas é comercializada como revista, com alguns anúncios entre as páginas. Essa foi a fórmula encontrada por Antonia e pelos editores para viabilizar o projeto.

-- A primeira pessoa para quem levei a idéia foi o Marcelo Bastos, da Farm, que já queria que eu saísse de lá com um cheque na mão, -- lembra Antonia. – Eu estava num mês horrível, não tinha dinheiro nem para o aluguel, e fiquei muito emocionada, “Meu Deus, alguém acreditou em mim!” Outro apoio determinante foi o do Sergio Pessoa, do Rio Sul.

As primeiras edições da “Agenda carioca” tinham um detalhe muito charmoso: vinham com uma mini havaiana pendurada na lombada em espiral. Mais uma vez, puro acaso. Antonia estava com um bowl cheio de chaveirinhos de havaianas em casa, sobras de uma decoração natalina, e assim como quem não quer nada, pendurou um deles no exemplar de prova. Ficou tão engraçadinho que, no dia seguinte, ela saiu a campo para convencer os fabricantes a se associarem ao projeto. A tradição da chinelinha pendurada só foi rompida na última edição, de 2010, quando a agenda passou por uma repaginada radical e dividiu-se em cinco livrinhos reunidos num estojo.

Vale abrir um parênteses aqui para observar que a elaboração e edição de ótimos guias e agendas é um mal – melhor dizendo, um bem – de família: Katia Mindlin Leite Barbosa, mãe de Antonia, fez, junto com Dalal Achcar, um fascinante guia de viagens e de compras na Turquia. Graças a ele, as duas foram alçadas à categoria de consultoras de Glória Perez, cuja próxima novela, “Salve Jorge”, se passa lá.

A agenda da Antonia é tão deliciosamente pessoal que, através dela, é possível traçar a trajetória da autora. Quando se casou com o economista Joaquim Saboia, as dicas de decoração e de serviços de casa ganharam muitos acréscimos. Quando teve seu primeiro cachorro, os cães foram contemplados com destaque – e com uma reclamação minha, que queria isonomia para os gatos. Com o nascimento de Felipe, Antonia já tem tantas dicas para mães e bebês que vai lançar uma edição especial, a “Agendinha carioca”.

Como Antonia é realmente antenada, a “Agenda carioca” existe em formato digital há tempos – na verdade, desde a primeira edição. Naquela época, “formato digital” era sinônimo de Palm e, graças a Hands, muitos usuários puderam dispensar as edições em papel. Hoje ela é um app gratuito para iPad. A grande novidade é que há uma versão para inglês saindo do forno, e que estará prontinha para consumo na Rio +20.

A grande novidade na vida da Antonia e da sua agenda, porém, é a versão para Facebook. O grupo, que se chama “Agenda carioca”, está bombando. É ponto de convergência para quem precisa de dicas e para quem descobriu algo maravilhoso e quer compartilhar.

-- A agenda no Facebook nem depende mais de mim, -- observa Antonia. – Ela é autosustentável, já reúne mais de cinco mil pessoas e estou descobrindo um monte de coisas que eu mesma não conhecia. Isso está facilitando demais a pesquisa para a próxima edição. Mas o que mais me encanta é o espírito de solidariedade das pessoas, a generosidade que todos demonstram em compartilhar os seus endereços secretos.

Gerenciar um grupo tão grande tem seus percalços, que aos poucos ela começa a descobrir. É preciso cuidar muito bem da lista para que não vire uma agência de empregos, um varal de publicidade, uma lata de spam. O preço da qualidade é a eterna vigilância.
Outro projeto que empolga Antonia é a marca RJ, criada pelo governo do estado como uma espécie de “I love NY” carioca, para refletir o momento do Rio.

-- O Sérgio Cabral entendeu que precisava fazer uma campanha que fosse muito além de realizações e de obras, uma campanha que tocasse no orgulho e na auto-estima de quem vive aqui. Uma campanha de posse, de pertencimento: “Eu pertenço a esse lugar”. Essa campanha foi pensada em cima de sete pontos fundamentais: alegria, estilo, beleza, inovação, energia, paixão, paz. Há cinco anos, nós não poderíamos nem pensar em falar em paz; hoje isso começa a ser possível. O RJ vem como um selo do qual as pessoas podem se apropriar. Há alguns filmes muitos bonitos no site do projeto, em novoRJ.com.br. Existem movimentos parecidos no mundo, que começaram com um empurrãozinho do governo, mas que foram logo apropriados pela população. A idéia do RJ é essa, é ser a marca do Rio. Gostei tanto da idéia que topei participar quando meu filho estava só com três meses. Acho que, mais para a frente, quando eu olhar para trás, vou poder dizer “Caramba, eu ajudei a criar isso!”.


(O Globo, Rio, 8.4.2012)

12/03/2012

Janjão Garcia: o rei das guloseimas


Se um dia o cidadão João Luiz Garcia de Souza perder seu iPhone, quem encontrar o aparelho e tentar descobrir alguma coisa a respeito do proprietário através das fotos vai levar um susto: o homem só pensa naquilo! Família, vistas bonitas, animais de estimação? Que nada: são centenas de fotos... de comida. Há produtos em estado bruto, pratos prontos em restaurantes, detalhes dos ditos restaurantes, garrafas, copos, listas de preços em botequins. As fotos mais recentes, e mais tristes, mostram duas caixas detonadas pelos “carinhos” da Azul, que as transportava de Minas para o Rio. Dentro, montes de queijos estragados.

-- Está vendo só? – diz Janjão, desconsolado. – Chama-se a isso “custo Brasil”. Eu tenho clientes e produtos, mas fazer os produtos chegarem às mãos dos clientes é que são elas. A logística é um pesadelo.

Mais tarde, na Casa Carandaí, delicatessen que acaba de montar na Lopes Quintas para promover o sonhado encontro entre clientes e produtos, ele me mostra uma geladeira meio vazia: era para lá que se destinava a preciosa carga de queijos da Serra da Canastra. O resto da casa, porém, está bem estocado, e com muita coisa feita lá mesmo, de doces pecaminosos a terrines de dar água na boca, passando por pães e baguetes que só faltam falar francês.

Apesar do sotaque, a idéia da Casa Carandaí é servir de vitrine para a excelência dos produtos brasileiros. Para fazer a seleção que compõe o elenco do empório, Janjão viajou pelo país inteiro, selecionando com grande rigor a produção local. Para que ninguém caia no grave erro de achar, por exemplo, que todas as goiabadas são iguais, lá está a prova de que a do Rio Grande do Sul é bem diferente da carioca ou da mineira. Dentro em breve, assim que o pátio da casa for convertido em café, a prova poderá ser feita in loco – e aí ninguém precisará mais ter saudades do Garcia e Rodrigues, que Janjão idealizou em 1996, abriu com alguns sócios em 1997 e largou em 2000, “saído” depois de uma série de desentendimentos. A próxima etapa gastronômica da sua vida, a rede Fiametta, também terminou em brigas e recriminações, mas hoje ele confessa que a casa foi criada para dar dinheiro, e não prazer. Janjão gosta demais de comida para se contentar com uma pizzaria. Agora, leva a vida que pediu a Deus: tem apenas um restaurante, o Lorenzo Bistrô, também na Lopes Quintas, a dois passos da Carandaí, e sua única sócia é a mulher Nick. Essa, aliás, é uma outra história – uma história de amor, que a gente conta mais adiante.

o O o

Tanto a Carandaí quanto o Lorenzo trazem, nos letreiros, uma marquinha novidadeira: um RJ cercado por um círculo, que significa que são casas cariocas, orgulhosas da sua cidade. De onde veio isso? De uma campanha que o governo do estado iniciou mas, para variar, não levou em frente. A idéia era lançar um selo, como os que existem em tantos países e cidades europeus, que os cidadãos colam nos carros, nas bicicletas e nas vitrines, demonstrando a sua, digamos, auto-estima geográfica. Janjão gostou tanto que adotou a prática imediatamente; mas, por enquanto, é uma marquinha solitária no mundo:

-- Ninguém mais adotou o selo, não é uma pena? A gente precisava transformar isso numa espécie de “By Appointment” carioca.

Miguel Paiva, que desenhou as logomarcas, não ficou muito feliz em acrescentar o selinho ao seu trabalho; mas o RJ não atrapalhou em nada, ficou bonitinho e, por enquanto, misterioso. Vá que a idéia pegue...

Típico carioca da Zona Sul, Janjão, hoje com 58 anos, sempre aproveitou o que a cidade tem de melhor, e ama o Rio fervorosamente. Aluno do Santo Inácio, praieiro e esportista convicto, cresceu entre os políticos e intelectuais que freqüentavam a casa de seus pais, o advogado Pedro Garcia de Souza e Ana Maria Machado Bittencourt, uma dona de casa sempre às voltas com galerias e artes plásticas; o Clube da Lanterna, que mais tarde daria origem à UDN, nasceu na sala da sua avó. Lacerdistas e juscelinistas, que se enfrentavam nas tribunas e nos jornais, se encontravam pelas esquinas da cultura e, eventualmente, seus filhos até acabavam se casando. Tendo acompanhado esse movimento de perto, Janjão conhece, como poucos, a árvore genealógica do Rio. Por insistência dos pais, cursou Direito. Economia, que era o queria, era considerada “exatas” demais naquele lar de “humanas”.

-- Eu era bom de matemática. Eu lia, estudava e fazia esporte. Nós morávamos na Prudente de Moraes, a praia era logo ali, as ondas, o frescobol, a turma da música... Mas era bom aluno, me concentrava nas aulas. Felizmente, ou infelizmente, só virei namorador depois que casei, coisa que, por sinal, deu muita confusão.

A vontade de fazer Economia não passou, contudo, e ele acabou fazendo as duas faculdades ao mesmo tempo: Direito na PUC, e Economia na Candido Mendes, em Ipanema. Logo conseguiu um estágio na Consultec – mas entre uma coisa e outra estava, sem perceber, se preparando para um futuro na gastronomia.

-- Nós íamos, um bando de garotos, surfar em Saquarema, onde não havia nada. E quem é que ia cozinhar? Acabava sobrando para mim, porque eu sempre gostei de cozinha. Mais tarde me chamaram para ser cozinheiro em regatas. Eu sabia velejar e não enjoava, dois requisitos mais importantes até do que os predicados culinários...

Havia também as famosas festas de carnaval que a família promovia em Petrópolis, e que chegavam a reunir mais de mil pessoas. Janjão participava até uma certa altura, depois ia dormir longe de casa, para poder descansar. Quando reaparecia de manhã, o jardim estava coalhado de gente que tinha caído por lá mesmo, e que se embrulhava nas toalhas de mesa.

-- Parecia um campo de batalha coalhado de cadáveres! – ri. – E eram sempre os mesmos cadáveres... Eu entrava e minha mãe me pedia para preparar ovos mexidos para a tropa. Eu ganhava um trocado com isso. Quando ia saindo para o tênis, nova leva de defuntos acordava das profundezas e pedia alguma coisa para comer. Lá ia eu para a cozinha novamente, para fazer mais ovo mexido...

o O o

Saindo da Consultec, Janjão foi para a Nutrícia, uma indústria de alimentação. Trabalhava como economista, em planejamento e estratégia, mas, ainda assim, passou a ter contato intenso com a área de alimentos. Fez um estágio na Kraft, freqüentava congressos de nutrição no mundo todo e, claro, encontrava muita comida interessante pelo caminho. Uma vez participou de uma reunião com Paul Bocuse, entenderam-se às mil maravilhas e, ato contínuo, estava em Lyon, como convidado do estreladíssimo chef. Durante as horas livres nas viagens, corria atrás de bons vinhos, de produtos exóticos, de temperos especiais.

Como tantas outras empresas, a Nutrícia acabou no governo Collor. Janjão foi trabalhar na conversão de velhas fábricas desativadas em shopping centers mas, passado algum tempo, decidiu que era hora de realizar seu sonho: um misto de bistrô, délicatessen e loja de produtos para cozinha, algo jamais visto na cidade. O pai ficou no auge da indignação: “Então você recebe uma educação de alto nível e agora vai trabalhar num balcão?! Você vai servir os seus amigos?!”

-- Ele nunca se conformou com a minha opção, -- lamenta Janjão. – Morreu sem ter posto os pés no Garcia e Rodrigues. Mas eu estava cansado de trabalhar só por trabalhar, estava cansado de ter de lidar com a burocracia do governo, com a corrupção geral... Queria trabalhar em alguma coisa que me desse prazer, queria um trabalho que me entusiasmasse, onde eu não sentisse as horas passarem.

O passo foi maior do que a perna, a situação entre os sócios ficou insustentável e o sonho acabou. Durante a fase Fiametta, foi chamado pelo supermercado Zona Sul para repensar as lojas, e criou as simpáticas pizzarias que quebram o galho de tantos cariocas esfomeados na hora das compras.

Um dia, Nick Barcellos, dona de um restaurante no Jardim Botânico chamado Lulu pediu uma consultoria. O restaurante estava mal das pernas, e ela queria saber o que fazer: vender, fechar, reformar? Entre uma sugestão aqui e um conselho ali, os dois se apaixonaram. Janjão comprou o restaurante, casou-se com Nick e foi feliz para sempre – ou, pelo menos, até este mês de março de 2012, em que ambos curtem, como se fosse uma nova criança, a Carandaí, montada numa antiga casa tombada, que estava caindo aos pedaços. Janjão vendeu o único apartamento, para desespero dos filhos João Pedro (32) e Mariana (31), e foi à luta.

Conversamos no Lorenzo Bistrô e, no fim da entrevista, fomos ver o novo empório. Ganhei uma baguete recém-saida do forno. No táxi, beliscando aquela delícia, cheguei à conclusão de que Janjão agiu muito bem. Apartamento próprio um monte de gente tem, mas um parque de maravilhas como aquele é único.

(O Globo, Rio, 11.3.2012)

05/02/2012

O árduo caminho do bem


Vera Cordeiro conta como levou o Saúde Criança, nascido numa cavalariça desativada, ao topo das ONGs


Ela se auto-define como “pedinte internacional”, e nessa qualidade viajou para Seattle, na semana passada, a convite da Fundação Bill & Melinda Gates, para expor o trabalho do Saúde Criança diante de 300 líderes da filantropia mundial. Este começo de 2012 anda movimentado para a Dra. Vera Cordeiro: de acordo com um ranking da revista suíça Global Journal divulgado há poucos dias, a sua instituição está em primeiro lugar entre as organizações sociais brasileiras, e em 38º entre as cem melhores do mundo. Os critérios utilizados para a seleção foram inovação, impacto, eficiência, estratégia, gerenciamento de finanças, transparência, sustentabilidade e reconhecimento – uma vitória e tanto para um projeto que nasceu numa cavalariça desativada.

Por que “pedinte internacional”? Porque, por incrível que pareça, boa parte dos recursos do Saúde Criança vem do exterior, onde a associação é mais conhecida do que no Brasil. Ela já recebeu mais de vinte prêmios internacionais e, mais importante, foi selecionada pelas duas principais fundações mundiais de apoio ao ativismo social, a Ashoka e a Skoll Foundation, que lhe deram ampla visibilidade no mundo das ONGs -- sigla que anda tão maltratada, aliás, que começa a ser rejeitada por quem trabalha com seriedade.

-- Eu sempre preciso explicar que a Skoll Foundation não tem nada a ver com a cerveja – diz Vera. – Seu fundador, Jeff Skoll, foi o primeiro funcionário do eBay. Ficou bilionário e em 1999, aos 41 anos, decidiu mudar o mundo. Como fazer isso? Procurou Bill Drayton, fundador da Ashoka e principal referência em filantropia, e recebeu o conselho de criar uma fundação que apoiasse empreendedores sociais.

Até hoje, apenas 85 ONGs foram premiadas pela Skoll Foundation. Pois em 2006, uma emocionadíssima Vera Cordeiro recebeu o prêmio das mãos de Robert Redford. Já Bill Drayton acha que há pessoas que tem, no campo social, o mesmo talento que um Bill Gates ou um Eike Batista têm no campo dos negócios, e que essas pessoas devem ser identificadas e apoiadas para ampliar o seu impacto na sociedade. Os dirigentes de ONGs que se enquadram nos severos critérios da Ashoka tornam-se fellows da fundação. Segundo uma clássica definição de Drayton, eles não dão o peixe nem ensinam a pescar, mas lutam para transformar toda a indústria da pesca. Tanto a Ashoka quanto a Skoll Foundation realizam encontros entre os ativistas que apóiam, transferem know-how entre eles e servem como importantíssimos cartões de visita para a captação de recursos.

Como é que uma modesta associação carioca, tocada por voluntárias, foi parar no concorrido mundo da elite do ativismo social? Quando se conhece a Dra. Vera, é fácil entender essa trajetória. Aos primeiros minutos de conversa, fica claro que essa mulher bonita, muito mais jovem do que os seus 61 anos, é uma pessoa determinada, movida pela paixão. Sua dedicação ao projeto é tanta que, nos primeiros tempos do Saúde Criança, os fundos vinham de rifas que ela fazia do que quer que encontrasse sobrando em casa. As filhas às vezes se desesperavam: “Meu tênis novo não, mãe!” Mas, quando ela convertia o valor de um Reebok em latas de leite em pó, a ação social falava mais alto do que as vozes das meninas.

o O o

Tudo começou no Hospital da Lagoa. Casada com Paulo, que trabalhava na IBM, e mãe de Marina e Laura, ela comparava a sua realidade com a das mães que chegavam ao hospital, e ficava extremamente angustiada:

-- Minha vida era uma loucura, -- diz. – Um dia eu estava em Lake Tahoe esquiando com meu marido e minhas filhas, e no dia seguinte estava no hospital, onde uma mãe trazia o filho para amputar a mão porque havia tomado o soro errado numa trambiclínica. A mãe dizia: eu entendi que tem que amputar. Mas a senhora tem um emprego para me arrumar? Uma outra vez, um colega me chamou para ajudar na quimioterapia de uma criança de sete anos. A mãe era uma pessoa da minha idade, muito envelhecida, com outros nove filhos além daquele com câncer renal. Eu tinha que ajudar aquela mulher a entender o que a criança ia passar. Depois que expliquei tudo, a mãe me disse: Tudo bem, doutora, entendi. Mas a senhora tem um lençol velho para me dar? Porque eu não tenho agasalho para o meu filho, e venho de Juiz de Fora para ele fazer a quimioterapia, que lá não tem. Ou o caso da criança que tinha má absorção, e que precisava tomar um leite muito caro: Doutora, a senhora cria o meu filho? Eu não tenho como criar, ele vai morrer. Ou ainda o menino com síndrome nefrótica, que era internado e tratado, ficava bom, e os remédios que ele precisava tomar eram devidamente prescritos; mas o pai era alcoólatra e a mãe tinha uma deficiência mental, e logo ele estava de volta ao hospital. Um dia, depois de muitas internações, ele não resistiu e morreu. Num país de primeiro mundo esse menino não teria falecido.

Vera percebeu que estava diante de um ciclo vicioso: miséria, internação, alta, reinternação e morte. Como médica, conseguia tratar a doença aguda, mas isso era pouco diante do problema real. Segundo a OMS, a causa de um terço das mortes no mundo é a pobreza -- e ela se deparava com essa causa diariamente. Não podia mais conviver com aqueles casos, e chegou à conclusão de tinha que sair do hospital para tratar, de fato, dos seus pacientes.

-- Eu precisava tratar também do lado psicossocial da doença, porque o adoecer é biopsicossocial, mas a medicina tradicional trata apenas do bio, -- observa. -- E do psicossocial, quem trata? Devia ser o governo, mas mesmo governos ótimos, como o do Canadá, não dão conta disso sozinhos. Mesmo que não houvesse corrupção no Brasil, o governo não daria conta, porque saúde não é só curar uma doença, saúde é tudo. Às vezes uma criança é internada com pneumonia ou tuberculose mas, se você for ver as condições de moradia dessa criança, vai constatar que qualquer um teria tuberculose lá, porque chove dentro da casa, não tem comida... A real causa das doenças, no mundo em desenvolvimento, ou na sua parte menos favorecida, é a miséria. São os profissionais da saúde que vêem, de perto, as conseqüências da trágica distribuição de renda no país. E vêem de pés e mãos atados.

Corria o ano de 1991. Vera juntou um grupo quixotesco de vinte voluntárias, e se estabeleceu num espaço que ocupava parte das antigas cavalariças do Parque Lage. Era lá que trabalhavam as voluntárias que, desde a época do presidente Dutra, costuravam roupinhas para as crianças do Miguel Couto. A líder deste grupo era amiga da mãe de Vera, e ofereceu abrigo para o novo projeto.

-- Fui conversar com o Betinho, que nos deu todo o apoio possível, -- lembra Vera. -- Nós precisávamos desesperadamente de dinheiro. Os padres, que eram os únicos que nos davam bola naquela época, diziam: “Vocês tocam o sagrado, crianças pobres doentes, Deus vai ajudar”. Tudo bem, padre, mas com que dinheiro? “O dinheiro há de vir”.

o O o

A estrutura inicial da organização era, basicamente, um armário com remédios e comidas -- mais o motorista da família, que em tese deveria levar Marina e Laura para o curso de inglês, mas era desviado por Vera para incursões às favelas, para checar as condições de vida das famílias atendidas. Os amigos começaram a fugir. Eles sabiam que, se ela ligasse, não era para ir ao cinema ou para bater papo, mas para pedir donativos. O pior é que, mesmo no hospital, o projeto era visto com reservas, como se fosse um hobby de senhoras entediadas.

A idéia do Saúde Criança, que então se chamava Renascer (nome descartado há dois anos para evitar confusões com a igreja evangélica), era atacar a miséria em várias frentes. Além dos cuidados com a saúde das crianças, o grupo conseguia documentos para as famílias, oferecia treinamento profissional para mães e pais e reformava as casas para garantir condições mínimas de moradia.

-- Fiquei meio apavorada no começo, -- diz Vera -- Volta e meia chegavam pacientes direto da Rodoviária Novo Rio perguntando “É aqui que dá emprego, comida e remédio?” Logo ia se espalhar que havia uma médica maluca no Parque Lage tentando salvar o mundo...

Não foi um começo fácil. Em pouco tempo, os vizinhos implicaram com o vaivém de miseráveis e retomaram as cavalariças. As voluntárias mudaram-se então para uma estrutura menor, o antigo galinheiro de Gabriela Bezansoni-Lage. Vera conseguiu que o Banco Icatu o reformasse – mas, quando as obras estavam pelo meio, foram embargadas. Os vizinhos haviam entrado na Justiça, queriam que o Saúde Criança saísse de vez do Parque Lage. Vera não se deu por vencida. Alugou um trailer, e passou a tocar o projeto de lá.

-- Foi uma época terrível, -- lembra ela. – Um dia, fui à Barra da Tijuca para consultar a arquiteta que estava fazendo as obras. Ela me disse que não podia fazer nada enquanto o embargo vigorasse. Nós estávamos trabalhando dentro de um trailer, não tínhamos dinheiro, tudo era uma luta. E eu voltei da Barra dirigindo e brigando com Deus. Deus, eu dizia, se você não ajuda mais criança pobre doente, você pode me explicar o que é que Deus faz? Para que serve Deus? Qual é a sua job description? Não estou com paciência para Deus! Quero que o senhor me diga se eu devo continuar lutando para permanecer no Parque Lage ou se eu desisto de tudo. Mas eu quero uma prova cabal, entendeu, Deus? Ora, naquela época, eu tinha mandado fazer cem plásticos que diziam Renascer -- Grupo de Apoio à Criança e ao Adolescente, e que distribui entre os amigos. E, assim que chamei Deus às falas, um carro com esse plástico colado na janela de trás ultrapassou o meu. Não é que Deus responde? Mais tarde, quando consultei o I-Ching, também recebi uma resposta muito positiva. Dizia: “Após diversas batalhas, a vitória está garantida”. Pois olha, quatro meses depois, d. Ruth Cardoso estava inaugurando a nossa sede, construída onde era o antigo galinheiro.

Antes disso, animada pela resposta divina, Vera saiu batendo em todas as portas até chegar ao Palácio da Alvorada, onde foi expor a situação ao presidente Fernando Henrique Cardoso. O Parque Lage é federal, e só ele podia ajudá-la na briga com os vizinhos. Pouco depois, ele assinou um decreto garantindo a permanência do Saúde Criança no seu cantinho.

Em 1993, Vera deu um dos passos mais importantes para a sustentabilidade do Saúde Criança: candidatou-se a fellow da Ashoka. Foram nove meses de entrevistas. Finalmente, ganhou uma bolsa mensal de U$ 650 – mas, mais importante do que isso, ganhou uma vitrine mundial para o seu projeto. A Ashoka passou a mandá-la para todos os fóruns de ativismo social, para que apresentasse o Saúde Criança e fizesse contato com outras pessoas que, como ela, estavam tentando melhorar o mundo.

-- Uma vez, apresentei o nosso projeto para 200 consultores da McKinsey. Quando terminei, todos aplaudiram de pé... e eu desatei a chorar. Até então só tinha tido dificuldades, estava sendo expulsa do Parque Lage e, de repente, era compreendida.

O resto, como se diz por aí, é história. Desde a sua fundação, o Saúde Criança já ajudou mais de dez mil crianças e mais de 2.800 famílias. Juntas, as 23 organizações que copiaram seu modelo em outros estados apoiaram mais de 40 mil pessoas. Os resultados são excelentes: o índice de reinternação das crianças assistidas cai em média 65%, e a renda das famílias aumenta cerca de 40%.

-- Quando me perguntam qual é o objetivo do Saúde Criança, eu respondo que é transformar miseráveis em pobres, -- diz Vera.

Os números lhe dão razão: é preciso começar pelo começo.


(O Globo, Rio, 5.2.2012)

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09/01/2012

Geraldo Carneiro: o ritmo acelerado do poeta mineiro





2011 foi um ano movimentado para o poeta Geraldo Carneiro. Ele traduziu o que define como uma versão redux de Romeu e Julieta, chamada “RJ de Shakespeare”, que estréia essa semana em São Paulo depois de uma vitoriosa carreira carioca; escreveu para a Globo, com Alcides Nogueira, a novela “O astro”, baseada na obra de Janete Clair; a pedido de Daniel Filho, fez as introduções para os 16 episódios de “As brasileiras”; apresentou-se com a atriz Mariana Ximenes pelo Brasil afora, numa série de palestras que vão virar DVD; adaptou “Gota d’água”, a peça de Paulo Pontes e Chico Buarque, para o cinema, a pedido de Roberto Talma; lançou seu segundo CD, “Gozos d’alma”, pela Biscoito Fino; e começou alguns projetos que serão terminados em 2012, entre eles o roteiro cinematográfico de “A casa dos budas ditosos”, a quatro mãos com o autor e grande amigo João Ubaldo Ribeiro, e “Discurso do amor rasgado”, livro em que celebra seus trinta anos de convívio com Shakespeare, e que será publicado pela Nova Fronteira. Tudo isso fora o varejo de canções e poemas, que brotam naturalmente, sem esperar ocasião.

É muita coisa para um poeta só, mas o tempo e o trabalho fazem bem a Geraldo Carneiro, casado desde 2008 com sua linda musa Ana Paula Pedro. Ele reclama em tom de troça da decrepitude física e metafísica, mas mudou espantosamente pouco desde que começou a aparecer, ainda adolescente, no cenário da música brasileira.

o O o

No front doméstico, o ano não foi menos intenso. Em fevereiro nasceu o primeiro neto, Santiago, filho do filho mais velho, Joaquim (30 anos); e, quatro meses depois, veio ao mundo Vinícius, o filho mais novo. (Antonio, o do meio, tem 14 anos). Como costuma acontecer com bebês, ainda mais quando são dados e risonhos, Vinícius é o rei da casa.

-- O Vinícius é um carnavalesco, vai no colo de todo mundo, acha a maior graça, gosta de tudo. Parece o velho Vinicius. Quando nós escolhemos este nome para ele, fiquei rindo durante um mês, porque nunca imaginei que um ser tão pequenininho pudesse ter o mesmo nome daquele outro Vinicius, que foi tão importante na minha vida. Ele gravou uma música minha quando eu ainda era menino, acabei escrevendo a primeira biografia dele e fomos muito amigos, ainda que no começo eu o olhasse com um certo cuidado, porque o achava licencioso, libertário demais. Eu me sentia meio careta ao lado dele, e olha que para eu me sentir meio careta nos anos 70 era complicado... Ele era muito doido. O Vinicius me inspirava sentimentos paradoxais: amor, admiração, inveja. Era de um carinho extraordinário, me ensinou a fazer coisas impublicáveis! Lamento ter tido em relação a ele aquela tendência parricida que as gerações mais novas têm em relação às gerações anteriores, lamento não ter convivido com ele da forma amorosa que ele propunha, eu mantinha um olhar crítico, ia à casa dele, ficamos amigos, mas nunca chegamos a ser realmente íntimos.

O convívio entre Geraldo e o Vinícius pequeno foi afetado pelo trabalho na novela, mas de forma positiva: como atravessa as madrugadas escrevendo, ele pode observar a evolução do filho num horário em que poucos pais estão acordados. Entre uma cena e outra de “O astro”, acompanhava as mamadas e resmungos noturnos do seu bebezinho. No momento, as madrugadas estão menos longas, mas não menos produtivas. Vinicius dorme, enquanto o pai trabalha em novos roteiros e escreve sobre os 60 anos que fará em junho. Idade que, como sabem todos que chegaram lá, parece muito distante até o momento em que bate à porta.

-- Todo mundo conta que, quando vai para a fila especial, acha que os outros vão ficar indignados, mas que nada, todos acham perfeitamente natural aquele cara lá... (risos) Estou me enchendo de trabalho para afastar o espectro que ronda os sexagenários. Aliás, que palavra horrível, implica uma série de trocadilhos... Mas não posso me queixar. Estou num momento apaziguado e feliz. Há guerras dentro de mim, mas são guerras de aperfeiçoamento, não guerras de destruição. E tenho me cansado tanto de trabalhar, que tenho sonhado muito com aquelas coisas de um ser humano padrão, aquele ser humano que quer se alimentar e dormir, em suma, certos prazeres da existência aos quais eu nunca tinha prestado atenção, e que, por força das circunstâncias, estão me parecendo espetaculares. Jantar, dormir, uma vida pacífica... quem diria!

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Geraldo Carneiro nasceu em Belo Horizonte, mas mudou-se para o Rio aos três anos, quando o pai, secretário de Juscelino Kubistchek, veio para a então capital. Pelo apartamento da família, em Copacabana, políticos, músicos e escritores circulavam com a mesma desenvoltura, o que acabou marcando a sua infância e a dos irmãos, o músico Nando e a historiadora Elizabeth.

A música, quase uma segunda natureza, começou cedo. Seu primeiro parceiro, ainda na adolescência, foi Eduardo Souto Neto. Os dois compuseram juntos “Choro de nada”; Vinicius de Moraes gostou, decidiu gravar, mas achava que precisava mudar um verso. O final original era “Retomo o rumo de casa / Com um sorriso nos olhos / Você não sabe de tudo / Você não sabe de nada”; Vinicius queria “Retomo o rumo de casa / Com a alma reconfortada / Você não sabe de tudo / Você não sabe de nada”. Com a arrogância dos 18 anos, Geraldo não permitiu. E foi embora para Roma, trabalhar com Astor Piazzola num musical sobre Evita Peron que acabou não saindo. Enquanto estava por lá, recebeu uma cartinha gentil de Eduardo, que contava que a canção havia sido gravada – sem entrar em detalhes. Na volta ao Rio, meses depois, é que descobriu que a mudança de verso havia, afinal, sido feita.

Mas a história dessa música, até hoje uma das suas letras mais conhecidas, não acaba aí. Passaram-se três ou quatro anos, e Tom Jobim também quis gravá-la, junto com Miúcha... mais uma vez trocando o verso da discórdia! Dessa vez ficou “Retomo o rumo de casa / Na noite desconsolada / Você não sabe de tudo / Você não sabe de nada”. “Choro de nada” só foi gravada com a letra original no ano passado, por Danilo Caymmi, para o CD “Gozos d’alma”.

De “Choro de nada” até hoje foram mais de 200 canções, em parcerias com o irmão Nando, com Egberto Gismonti, com Astor Piazzolla, com John Neschling, com Francis Hime, com Wagner Tiso. E, desde então, os seus versos foram deixados em paz.

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Vendo o mundo da sua infância e juventude pelos olhos de hoje, Geraldo Carneiro não alimenta falsas ilusões. O planeta era mais instável e, com certeza, bem mais explosivo:

-- Você se dá conta de que, quando nós éramos crianças, o mundo podia ter acabado? A crise dos mísseis, em 62, foi o preâmbulo do apocalipse. Depois, em 64, veio a ditadura militar, vivemos momentos muito difíceis. Agora, embora as pessoas não se dêem conta, estamos vivendo um momento particularmente feliz. Há uma distensão social, uma tolerância, uma aceitação da alteridade... Há conquistas do Século XX que entraram com força pelo Século XXI. Veja a Primavera Árabe, que coisa maravilhosa, quem teria imaginado isso? Claro que tudo é muito precário e pode acabar da noite para o dia, e os dinossauros vão para as cucuias. Nós, os novos dinossauros, podemos ter o mesmo destino. Mas é bom não perder de vista as coisas boas quando estão acontecendo. O mundo é cheio de descontinuidades, mas tomara que haja uma continuidade nesses processos.

-- Isso, claro, se a profecia dos maias não se concretizar e o mundo não acabar em 2012...

-- Ah, os maias não têm muito prestígio profético aqui no Rio não. Cesar Maia, Rodrigo Maia... o Dem está por baixo. (risos)

Geraldo Carneiro não espera um mundo muito diferente para o bebê Vinícius. O maior temor atual, o de um apocalipse ecológico, não o assusta: ele se agarra a uma “teoria ridícula” que, dada a devida licença poética, é até engraçada:

-- Wall Street fica ao nível do mar. Quando o mar subir dez centímetros e molhar o sapatinho daqueles executivos – aqueles sapatos caros, que eles compram em Londres – eles param instantaneamente de mexer com as empresas poluidoras. Então você tem um controle quase imediato da situação, graças aos sapatos londrinos de Wall Street. Não é uma boa teoria?

Do ponto de vista científico, certamente não, mas como pouca gente se entende mesmo sobre as causas e conseqüências do aquecimento global, ela é, provavelmente, uma teoria tão boa quanto outra qualquer. De qualquer forma, ela mostra uma das facetas mais divertidas do poeta: seu talento extraordinário para a conversa fiada, para o bate-papo sem compromisso que, viva ele!, sempre foi a marca registrada dos bons cariocas.


(O Globo, Rio, 8.1.2012)