Culpa da imprensa?
Zuenir VenturaNão são poucos os leitores que crêem na hipótese de que a violência no Rio é, em grande parte, uma construção virtual da imprensa, uma espécie de reflexo amplificado de seus exageros. Quando se viaja, então, a pergunta é inevitável: “por que vocês só falam de violência?”. Numa cidade do interior, um jovem repórter insistiu para que eu, em nome do jornalismo, assumisse a responsabilidade pelo medo que nos cerca. Como se já não bastasse o casal Garotinho repassando a culpa de tudo para a mídia.
Anteontem, uma leitora indignada escreveu para O GLOBO perguntando até quando o Rio seria “massacrado pela propaganda da violência”. Ela citava o exemplo de sua empresa, e de outras que estavam sendo prejudicadas pelo que considera ser uma distorção da imprensa local, que ignora o que de ruim se passa em outras cidades para se concentrar nas baixarias daqui. Gaúcha morando no Rio há cinco anos, ela contava: “Ando num carro importado que não é blindado, com pulseira de ouro e tudo a que tenho direito, e afirmo que nunca fui assaltada.”
Um testemunho animador. Mas inúmeros outros podem se contrapor a ele. De qualquer maneira, dei uma olhada no jornal para ver se do que fora publicado havia o que não fosse notícia ou tivesse recebido destaque inadequado. É verdade que nos últimos dias — e não só — os fatos policiais predominaram no noticiário. Na nossa primeira página, Rosinha e Chiquinho confraternizam numa grande foto, enquanto o texto fala do escândalo em que o secretário é acusado de proteger o tráfico na Mangueira.
Nas páginas de dentro, mais notícias relacionadas com violência. De um lado, a matéria do juiz barbaramente espancado e torturado por jovens bandidos de classe média. Mais adiante, o enterro da estudante morta numa falsa blitz. Embaixo, o incidente dos quatro pitboys que agrediram freqüentadores de uma boate gay, espancaram dois guardadores de carros e desafiaram PMs. Ontem, a manchete era o crime brutal, hediondo, “infame”, como disse o ministro Gil, de Almir Chediak. Exagero? Onde está o excesso — nos relatos ou na própria realidade?
Cada um dos acontecimentos noticiados correspondia a um sentimento real — um susto, um choque, um grito de dor. Se a imprensa não pode alarmar, não deve, por outro lado, perder a capacidade de se espantar. Tem de evitar o pânico, mas também a anestesia, a resignação, a desistência de se indignar. Não pode, enfim, aceitar como natural o absurdo que é a violência.
(O Globo, 28.5.2003)