Obstinado e perfeccionista,
mas também engraçado
O candidato do PSDB tem algumas características óbvias: é determinado e obsessivo. O que pouca gente sabe é que, ao contrário da fama, ele não é antipático e tem até senso de humor. Desde que não seja de manhã.
Aeroporto de Cuiabá, Mato Grosso, 22h30m. Depois de mais de sete horas de um exaustivo corpo-a-corpo a 40 graus à sombra (sem sombra), o candidato José Serra chega ao pé da escada do avião da Líder que vem usando durante a campanha, onde sua assessora Diala Vidal discute com o piloto. Ele a chama de lado:
— O que é que está havendo? — pergunta.
— É que esqueceram de reabastecer o avião — explica Diala. — Estamos sem comida nenhuma.
Má — na verdade, péssima — notícia, considerando-se que a última refeição da pequena comitiva fora um mísero sanduíche, nove horas antes. Ao seu melhor estilo, porém, José Serra não se deixa atrapalhar em relação a prioridades:
—- Não se discute com piloto antes do embarque! A gente viaja com fome, mas este homem tem que ir muito contente e bem disposto até São Paulo. Lá vocês se entendem...
Impossível discordar de argumento tão sensato. No avião, reviramos bolsas e mochilas, encontramos algumas balinhas, um saco de batatas fritas e dois chocolates inteiramente derretidos; a bordo havia ainda saquinhos de amendoim e pistache. Dividimos irmanamente os víveres e duas horas e meia depois chegamos a São Paulo.
Famintos, é verdade, mas sãos e salvos.
No começo da jornada, ainda no hangar da Líder, os sanduíches já haviam sido tema de conversa. Diante da minha recusa em aceitar uns salgadinhos, a assessora de imprensa Paula Santa Maria, que acompanha José Serra constantemente, alertou-me sobre o triste destino gastronômico à minha espera, insistindo para que eu comesse ao menos uma fruta.
Mais tarde, já em pleno ar, os famosos sanduíches de campanha fizeram a sua entrada em cena: duas fatias de pão preto, queijo de minas, peito de peru. Um conjunto light, sem dúvida — mas perfeitamente comestível.
Gostoso, até.
— Você só diz isso porque este é o primeiro que come — observou Serra.
Àquela altura da campanha, com cerca de 140 mil horas de vôo, tendo percorrido mais de 130 cidades, ele e a equipe imediata — composta, além de Paula e de Diala, de dois seguranças que se alternam — já haviam comido, cada qual, uns 120 sanduíches iguais.
O equivalente a seis quilos de pão, mais de sete quilos de peito de peru e quase três quilos de queijo para cada um. Não era à toa que ninguém agüentava mais os tais sanduíches; mas ainda havia — e se o candidato do PSDB chegar ao segundo turno ainda haverá —- um bocado de céu a voar antes que eles desapareçam para sempre do cenário.
Acontece que, zeloso com a forma e com a saúde, José Serra evita, habitualmente, comidas pesadas; em campanha, então, o faz de forma quase obsessiva. Quando, no meio do corpo-a-corpo, parou numa pastelaria com Dante de Oliveira e comeu um pastel de carne, causou o maior frisson entre os jornalistas. Cinegrafistas e fotógrafos voaram para registrar a cena. Isabela Paiva, a repórter do GLOBO que tem acompanhado suas viagens, ficou visivelmente frustrada por ter sido empurrada pela turma da imagem e perdido o acontecimento, raríssimo na sua experiência.
Ele odeia cebola, detesta alho, não pode ver gordura. A fama o precede, talvez com alguma ajuda da equipe que marca a sua agenda. No seu roteiro são raros os sucessivos banquetes que costumam pontuar o dia-a-dia de candidatos: a probabilidade de que venha a se encontrar com uma buchada de bode é extremamente remota.
Daí, porém, vem a fama universal de hipocondríaco, a essa altura quase inerradicável — e da qual, aliás, não desgosta de todo. Ser hipocondríaco não é nenhum defeito de caráter e, como mania, cai até bem para um ministro da Saúde.
Muito embora, como faz questão de frisar, não tenha sido por familiaridade com a medicina que acabou no cargo, mas sim pela intimidade com os números: quando assumiu o ministério, em 1998, as coisas andavam tão ruins que o próprio presidente Fernando Henrique se referia à pasta como “um pesadelo”. Serra gosta de dizer que uma das grandes vantagens de ter sido economista no Ministério da Saúde foi não se deixar enganar pelos economistas dos outros ministérios.
Cigarro, nem pensar
No domingo passado, à tarde, conversando com Mônica Serra na residência do casal no Alto Pinheiros, em São Paulo, toquei novamente na questão da hipocondria.
— As pessoas sempre dizem isso, mas é lenda mesmo, o Zé não tem nada de hipocondríaco. Ele apenas toma cuidado com o que come, tem o estômago sensível.
Estávamos as duas na cozinha, fazendo um café, e os pratos do almoço ainda esperavam na pia. Ela cutucou com um garfo uns pedaços de gordura deixados de lado, óbvias pontas de uma costeleta.
— Olha só isso, tá vendo? Ele não come gordura, não há hipótese... o pior é que ainda deixa essa carne toda...
Este parece ser um ponto delicado na casa. Não é difícil imaginá-la insistindo com o marido para comer mais um pouco. Até porque, diferentemente de tantos políticos, ele emagrece quando está em campanha. Nos últimos meses perdeu cinco quilos.
— Mas não é só o excesso de trabalho, não, porque o Zé normalmente trabalha muito. É excesso de cuidado com a alimentação, mesmo. Ele é assim até com a família. Sempre foi muito atento à forma como as crianças se alimentavam.
As “crianças” são Verônica, que se formou em direito mas acabou administradora de empresas com mestrado em Harvard (e que espera o primeiro neto do casal para janeiro), e Luciano, que começou a estudar engenharia mas também passou para administração. Lu, como é chamado em família, alto e moreno, praticante de esportes radicais, é tão bonito que podia fazer propaganda de cigarro na televisão.
Isso, claro, se o pai não tivesse proibido a modalidade.
Tão tímido quanto Serra, ele vai, provavelmente, morrer de vergonha quando ler isso aqui; já Verônica, que não conheci, mas que todos garantem ser extrovertida como a mãe, vai gostar de saber que é considerada linda pelo Chico Caruso, que não é muito de fazer desses elogios.
Mais romântico, impossível
Serra protege a família com feroz tenacidade. Tem medo que a política atrapalhe a vida dos filhos, e faz uma distinção muito clara entre a vida pública e a vida privada. Dos quatro candidatos à Presidência, é indiscutivelmente o mais reservado, o que com mais afinco preserva a sua intimidade.
O que é, até certo ponto, uma pena: se há um lado em que a campanha falhou foi no de apresentá-lo como o homem emotivo que é capaz de chorar no cinema e de se apaixonar à primeira vista.
— Nós nos conhecemos na festa de aniversário de uma amiga dele — diz Mônica. — Eu fui convidada por uma amiga que queria muito que eu conhecesse a aniversariante, que havia acabado de chegar da França. Eu não queria ir, não conhecia ninguém lá, e a minha amiga, tentando me convencer, me disse que iriam também uns brasileiros muito divertidos. Ela me falou muito deles, disse que um era meio quieto e calado mas inteligente demais. Bom, quando chegaram, ele se aproximou de mim e ficou falando, falando, falando e eu pensei: esse não deve ser o inteligente. Ele fala tanto! (risos) Até que, a uma certa altura, minha amiga, que nunca tinha visto ele falando daquele jeito, me chamou num canto e perguntou o que é que a gente tanto conversava.
— E o que vocês tanto conversavam?
— Ora... tudo! Ele se abriu imediatamente, me contou toda a vida dele, que é uma coisa que não costuma fazer, é muito discreto. No dia seguinte, já sabia tudo da minha vida e estava me esperando no balé, com uma história em que eu não acreditei muito... aliás, no dia, até acreditei. Depois é que vi que era enrolação, porque daí para frente, todos os dias, ele vinha me buscar. Tempos depois, o Claudio Salm, que morava com ele na época, me contou que, quando o Zé chegou da festa, disse: “Conheci a mulher da minha vida”. Isso no próprio dia em que me conheceu, imagina!
— E quando ele disse isso a você?
— Ele não me disse... (risos) Mais ou menos um mês depois, o Claudio, achando que nós já estávamos namorando, falou, sem querer: “Que bom que você vai casar com a Mônica, assim não vamos mais morrer de fome...” Isso porque eu ia lá, via a geladeira deles vazia e levava umas comidas, umas guloseimas. O Zé ficou vermelho, completamente encabulado, e aí é que o Claudio se deu conta da situação: “Mas como? Ele não te disse nada? Passa o dia me enchendo dizendo que vai casar com você, e para você não diz nada? Como é que pode?!”
Passados alguns meses, José Serra estava mesmo casado com a bela bailarina do Balé Nacional do Chile. Corria o ano de 73. Ele estava com 31 anos, exilado há nove, morando há sete em Santiago e muita coisa já tinha acontecido em sua vida política, iniciada nos tempos de estudante.
A política e a fé: Santa Rita
José Serra nasceu em São Paulo, na Mooca, em 19 de março de 1942, filho único de Serafina e Francesco Serra, italiano dono de uma barraca de frutas no mercado da Cantareira. Seu amigo e companheiro de exílio Artur da Távola atesta que ele tem, de fato, muitas características dos piscianos: por exemplo, a sensibilidade, a intuição, a reserva nos assuntos emocionais.
Essa última talvez venha também de família. A relação de Serra com o pai foi, como contou a Teodomiro Braga no livro de entrevistas publicado no início da campanha, uma relação de reverência, mas sem muita camaradagem ou cumplicidade:
— Havia uma barreira invisível. Anos depois, entendi melhor por que isso acontecia. Quando estive na Itália pela primeira vez, em 1974, meu tio Giovanni, que era o caçula da família, contou-me que meu avô era tão rígido e autoritárioque os filhos não podiam se dirigir a ele diretamente — tinham que fazê-lo por intermédio da mãe. Você já pensou? — contou Serra.
Da família vêm, também, a compulsão pelo trabalho, e uma fé inabalável. Serra, que recebeu o nome de José por nascer no dia do santo, teria se chamado Jorge, em homenagem ao avô Giorgio, tivesse nascido uns dias antes ou depois.
Para alguém que, como eu, está acostumada com intelectuais agnósticos e esquerdistas ateus, é difícil conciliar a imagem de extrema sofisticação intelectual e trajetória de esquerda com uma fé tão enraizada: Serra é católico praticante, vai à missa, comunga, se benze quando entra em avião. Parecem-me dois lados muito distantes.
— Mas não são dois lados, é um lado só! — surpreende-se Mônica, diante da minha incompreensão. — Ele é uma pessoa que tem uma vida espiritual, intelectual... enfim, uma vida completa, como qualquer pessoa. É muito devoto de Santa Rita. Aliás, quando apareceu o nome da Rita Camata entre os candidatos a vice, eu pensei: “Ah, não adianta, vai ser a Rita...” Mas veja bem, até o lado de esquerda ele começou a desenvolver na JUC, a Juventude Universitária Católica.
Sucesso de público, mas...
A política estudantil, porém, fisgou Serra antes ainda da JUC por um caminho curioso: o do teatro. Assim que entrou para a Escola Politécnica da USP, descobriu o GTP (Grupo Teatral Politécnico), no qual atuavam colegas que, posteriormente continuaram na carreira artística, como Fauzi Arap. Aqui vale um parênteses para lembrar que, naquele começo dos anos 60, teatro era uma atividade extremamente politizada. Podemos fechar o parênteses.
Ator apenas razoável, na sua própria definição, Serra acha que o teatro o ajudou a enfrentar a inibição de encarar platéias, feito nada desprezível para um tímido em primeiro grau. Logo ele estaria pondo a nova habilidade à prova: foi o principal organizador da greve estudantil da Politécnica em 62, em breve estava dirigindo a UEE (União Estadual de Estudantes) e, em 63, foi eleito presidente da UNE (União Nacional dos Estudantes).
A sua ficha no Dops registra que, em 23 de agosto daquele mesmo ano, foi mais aplaudido do que Jango Goulart, então presidente da República, num comício em homenagem à memória de Getúlio que reuniu 90 mil pessoas na Cinelândia. Em tese, ele deveria ter falado antes do presidente — mais ou menos como um músico alternativo esquentando a platéia para o grande astro.
Mas chegou atrasado (como sempre) e acabou falando entre os oradores principais.
O comício pode ter sido um grande sucesso com as massas, mas o mesmo não se pode dizer dos militares que, mal dado o golpe, já estavam com o seu nome numa listinha especial. O pior é que no dia 1 de abril de 1964 José Serra estava no Rio, para onde se mudara ao assumir a presidência da UNE, e não tinha idéia para onde correr.
Com a ajuda de Marcello Cerqueira, seu vice na UNE, rodou a cidade inteira procurando algum lugar seguro para ficar — mas isso, aparentemente, não existia então. Finalmente, ambos foram para uma garçonnière que Jacob Kligerman (sim, esse mesmo, hoje presidente do Inca) mantinha na Lapa. Mas lá também a segurança era, no mínimo, questionável: o prédio era vizinho ao Dops. Alguns dias depois, estavam na embaixada da Bolívia, junto com Artur da Távola, na época líder do PTB na Assembléia Legislativa. A amizade dura até hoje.
Ao fim de três meses — que considera entre os piores momentos da sua vida junto com os nove meses de asilo que passou na embaixada da Itália, no Chile, em 1973 — José Serra conseguiu, finalmente, deixar o país, para onde só voltaria 14 anos depois.
A história do diploma
Ele foi inicialmente para a França, onde ficou pouco tempo; viajou em seguida para o Chile, grande centro de efervescência política e cultural da América Latina e, de qualquer forma, bem mais próximo ao Brasil.
Terminar o curso de engenharia da Politécnica estava, por razões óbvias, fora de questão. Resultado: ele nunca chegou a se graduar aqui. A descoberta deste fato tem, aliás, feito a festa dos sites de seus adversários, que proclamam, na internet, que “Serra também não tem diploma!”.
Mas não é bem assim. No Chile — onde consolidou a amizade com Fernando Henrique — chegou à conclusão de que engenharia não era tão interessante quanto economia e, em 1967, entrou para a pós-graduação da Universidade do Chile, a Escolatina.
Para ser admitido, teve que fazer um exame equivalente a todo o curso de graduação. Estudou durante meses, virou muitas noites mas, enfim, passou na prova. Terminou o curso entre os três primeiros colocados. Foi contratado pelo Instituto de Economia, e passou a dar aulas na Escolatina. Apesar das saudades do Brasil, esta foi uma fase relativamente tranqüila — até que os ventos chilenos mudaram.
Já pai de duas crianças pequenas, Serra se viu novamente no olho do furacão. Para desespero de Mônica, foi levado para o Estádio Nacional de Santiago, de onde quase ninguém saía vivo — mas de onde, por pura sorte, conseguiu escapar. E lá se foi a família para a embaixada da Itália. Verônica tinha 4 anos; Luciano, 3 meses. Mônica e as crianças receberam um salvo-conduto três meses depois; Serra ainda ficaria seis longos meses trancado, longe da família, angustiado, sem notícias precisas ou freqüentes.
Obtido o salvo-conduto, escolheu ir para Cornell, nos Estados Unidos. Tinha convites de várias instituições de ensino, mas nenhuma lhe oferecia uma bolsa melhor. A próxima parada, depois do doutorado, foi a Universidade de Princeton, onde foi para o Instituto de Estudos Avançados.
Foi nos Estados Unidos, também, que a vida de Mônica tomou um novo rumo. Com a carreira de bailarina interrompida pelo exílio, aproveitou a vida universitária do marido para fazer mestrado em psicologia educacional em Cornell e, em Princeton, em terapia pelo movimento. Na volta ao Brasil, em 1978, fez doutorado em psicologia clínica na USP. Hoje ensina na Unicamp e dirige a associação internacional Arte Sem Fronteiras.
A fala de Mônica ainda guarda leves traços de espanhol — mas ela fala apenas com sotaque, sem qualquer vestígio de portunhol, o que é bastante raro entre imigrantes da América Latina.
— Ah, o Zé é responsável por isso — explica — Tudo o que eu falava ele corrigia. Sempre! Eu conversando e ele corrigindo, corrigindo... até o pessoal falar: “Serra, deixa de ser chato, ela tá falando muito bem.” Como ele é perfeccionista, ia em cima: “Mas errou, né? Se é para falar certo, é para falar certo...”
Uma questão de fuso horário
“Perfeccionismo” é uma das palavras que invariavelmente aparecem quando se pede a alguém próximo de Serra uma definição do candidato. “Obstinação” e “determinação” são outras. Nenhuma delas surpreende o público; mas alguns adjetivos, como “simpático” e “engraçado”, soam definitivamente bizarros para quem não o conhece. No entanto, aplicam-se ao homem, numa boa.
Pude comprovar isso mais uma vez quando viajamos para Cuiabá. Eu já havia me encontrado com Serra uma vez, há uns dez anos, durante um debate do qual participaram ele e Millôr Fernandes, um adversário dialético notoriamente difícil. Para minha surpresa, porém, ele se saiu incrivelmente bem, com muita graça e agilidade.
Durante a ida, no avião, nos momentos em que não estávamos cochilando, nos entendemos às mil maravilhas sobre literatura e cinema, duas de suas grandes paixões. Ele lê compulsivamente (estava com um Nabokov a bordo), vê todos os filmes e, pior, é do tipo que lembra nome de iluminador assistente. Também conversamos muito sobre software livre, assunto para o qual consegui chamar sua atenção na sabatina do GLOBO ao encontrar uma analogia que pôs a questão nos seus termos: programas como o Linux, por exemplo, são os genéricos do software.
Como, por acaso, funcionamos ambos no mesmo fuso horário, foi fácil para mim perceber que o José Serra que as pessoas encontram até as duas, três da tarde não tem nada a ver com o José Serra do fim da tarde. À noite, então, está sempre ótimo, muitíssimo bem disposto, canta músicas do repertório clássico da MPB, conta histórias e tem, acreditem, um ótimo senso de humor, de tiradas finas e sutis, sempre inteligentes.
O problema é que, a essa hora, a maioria das testemunhas já foi dormir.
Mais difícil de entender é por que uma pessoa que tem tantas qualidades óbvias a qualquer hora — como a extrema determinação política que o levou a ganhar a queda-de-braço com os laboratórios internacionais ou com a indústria do fumo, dois lobbies poderosíssimos — não conseguiu passar, no horário eleitoral, uma mensagem que falasse mais claramente à emoção dos telespectadores.
Artur da Távola, amigo de longa data e comunicador por excelência, tem algumas teorias. Ele acha que Serra deveria esquecer do teleprompter na televisão.
— Quando você lê, você olha para fora; quando fala, olha para dentro, — explica. — Isso faz uma diferença enorme, você não imagina.
E por que ele passa a impressão de ser tão fechado, quando é apenas tímido?
— Porque a figura pública do Serra é feita das suas defesas psicológicas. Ele é uma pessoa muito especial. Ele não cumpre os rituais habituais da política, não consegue fingir interesses que não tem e, por isso, acaba ficando com fama de antipático. O que as pessoas não percebem é que, por trás dessa aparente “antipatia”, está uma grande virtude. Ele não transige, não compactua com mediocridade, não tem paciência com burrice — e não faz qualquer esforço para disfarçar isso.
Ele tem razão. José Serra não faz a menor questão de “agradar”, de fazer o que se espera que faça. Está sempre numa posição sua, algo solitária, um pouco à margem do sistema, seja lá que sistema for — do relógio biológico “normal” da humanidade ao governo Fernando Henrique.
Que representa, sem exatamente representar.